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ABT Sincrônicos

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GÊMEAS 

A escuridão da noite se estendia por toda a planície rochosa. A luz das duas luas arroxeadas mal conseguia atravessar as densas nuvens que se aglomeravam acima do acampamento. 

Este já era o segundo dia seguido em que as gêmeas permaneciam completamente acordadas, se preparando para concluir mais uma missão de alto grau de dificuldade, ou pelo menos, era o que o daihyêk de Terökum havia lhes informado. Um grupo perigoso planejava invadir uma das colônias do Elo para sequestrar crianças com grandes habilidades, assim como já ocorrera muitos anos atrás. 

Segundo Urull’kya, o líder e seus subordinados mais próximos se escondiam em um planeta não habitado, longe das fronteiras do Elo. 

—Não acho que será necessário mais um dia de observação! Podemos terminar esta missão amanhã assim que eles retornarem! — Kyerian batia os dedos no solo, impaciente.  

—Não podemos nos precipitar! Eles parecem fracos, mas um deslize pode pôr tudo a perder! —Kerina mantinha o olhar fixo no acampamento de seus inimigos.  

Já fazia duas semanas que as irmãs observavam a rotina dos sequestradores. A conclusão a que chegaram reduzia muito o nível da missão. De acordo com Kyerian, “um prosvoith iniciante conseguiria concluir facilmente esta tarefa”. 

—Não temos mais o que observar, Kerina! Eles são desajeitados e descuidados! Está mais do que óbvio que este grupo não age por conta própria! Devemos eliminar todos e interrogar o líder! Quem sabe ele tem alguma informação sobre Arkrotís! — Kyerian reparou que a menção do primo desaparecido surtiu efeito na irmã, que desviara o olhar do acampamento para fitá-la. 

—Ele desapareceu, Kyerian! Há muito tempo! Para o bem de nosso patojí, é melhor não trazermos esta lembrança de volta! Por isso o daihyêk Urull’kya veio nos procurar para realizar esta missão, somos as únicas de nossa família capazes de lidar com isso sem nos envolvermos emocionalmente! 

Kyerian bufou debochadamente. — A quem você está tentando enganar, Kerina? Sabe tão bem quanto eu que, assim que capturarmos o líder, nós o faremos revelar tudo o que sabe sobre os sequestros atuais e os antigos! Somente os protetores de Katárkona não se importam com os métodos utilizados durante os interrogatórios, foi por isso que o daihyêk de Terökum entregou esta missão para nós e não para a família de Fira, você sabe disso! 

Tornando a observar o acampamento, Kerina pensou em responder a irmã, mas sabia que ela tinha razão. Nenhuma delas se importava com a saúde e o bem-estar de seus inimigos, muito menos se arrependiam de todos os métodos que já utilizaram para concluir suas missões e manter a paz e harmonia no Elo.  

Com a aproximação do alvorecer, todo o cenário passava a assumir uma tonalidade lilás-arroxeada. O aglomerado de rochas que serviam como parede para o acampamento tosco, agora estava repleto de pequenas plantas azuis e amarelas que se expandiam e se moviam conforme a intensidade de luz aumentava.  

Uma massa disforme surgiu próximo a entrada da cabana principal e dela saíram dez indivíduos encapuzados. Kerina deu um longo suspiro de alívio, Kyerian, porém, abria um largo sorriso malicioso. Em uma fração de segundos um par de lâminas verdes surgiu em suas mãos. 

—Kyerian, espera, precisamos… 

—Por que você está se contendo, Kerina? Vamos terminar isso de uma vez e voltar para Katárkona! Temos coisas mais importante para resolver!  

Tornando a suspirar, Kerina concordou com a irmã, então sua foice prateada de cabo negro surgiu entre suas mãos, causando um suave tilintar quando a corrente se enrolou ao redor de seu pulso esquerdo.  

Completamente sincronizadas, ambas dispararam em direção ao acampamento. Sem qualquer cerimônia, Kyerian acumulou uma massa translúcida de energia na palma de sua mão e em seguida a lançou em meio ao grupo. A explosão os desorientou e ergueu uma grande quantidade de poeira e fragmentos no ar, ocultando a chegada das irmãs. Um a um, os inimigos desnorteados caíram aos pés das gêmeas, enquanto suas lâminas deslizavam por entre músculos e peles, até sobrar apenas um. 

—Elas…ELAS ESTÃO AQUI! — o líder do grupo gritava desesperado, tentando inutilmente se desvencilhar do emaranhado de plantas e pedras que o cercavam e prendiam ao chão. 

A ausência de vento fez com que a nuvem de poeira permanecesse no ar. Instintivamente, Kerina e Kyerian se aproximaram do alvo, que continuava gritando. Apenas quando estavam a menos de um metro de seu alvo, elas puderam ver a identidade de seu inimigo.  

Uma raça sem dúvida mais fraca que a delas. Grandes olhos esbugalhados, pele áspera e porosa, da qual agora escorria um muco azulado. O inimigo guinchava agudo e se debatia, enquanto sua boca larga com poucos dentes podres e afiados se contorcia em desespero. Até mesmo para os seres vindos de planetas não vinculados ao Elo a fama das gêmeas era reconhecida.  

—Pare de se debater! Não tem como fugir e nem para quem pedir socorro! — Kerina franziu o cenho e baixou as orelhas. Os chiados agudos irritavam profundamente sua audição sensível. 

—Cale essa boca! Kerina, vamos terminar logo com isso antes que o fedor dele me faça vomitar! Kerina?  

Kyerian repentinamente sentiu algo lhe apertar o coração, então suas pernas fraquejaram. Como se sua energia estivesse sendo sugada para longe de seu corpo, ela caiu de joelhos. A pressão sufocante do planeta em que estavam começou a surtir efeito em seu corpo. Kerina ao seu lado arregalava os olhos em espanto, indicando que sentia o mesmo. Se aproximando com dificuldade, ela estendeu a mão para a irmã, que a segurou com força.  

—Precisamos…voltar para…Katárkona! — Kyerian se aproximou mais um pouco e tentou falar com a irmã.  

As pedras e plantas que prendiam o alvo das gêmeas se esfarelaram, permitindo que ele rapidamente fugisse para longe do alcance das duas. 

—Ah Valíss, sinto lhes dizer que não irão para casa hoje! — uma voz rouca surgiu em meio a nuvem de poeira, então, um vento forte soprou, revelando a fonte do mal-estar das garotas. 

Um grupo de dez dominadores de energia as circundava. Com as mãos estendidas eles pareciam puxar e enrolar uma corda invisível, repetindo sempre o mesmo movimento. Pela primeira vez, Kyerian sentiu medo e desespero puro se apoderarem dela. 

Desde criança, ela sempre tivera tanto orgulho da sua capacidade em controlar a energia que seu maior temor era, por algum motivo, perder esta habilidade, por isso sempre tivera um respeito muito grande pelos dominadores, os mesmos que agora concretizavam seu maior pesadelo. 

—Ótimo, estamos quase concluindo aqui! Áthlion tinha razão, a maneira mais segura para capturá-las era em um planeta em que não estivessem acostumadas! Agora vamos, joguem-nas neste portal e vamos terminar o serviço! — um dos dominadores que estava próximo às garotas abrira um portal e agora pedia para que os colegas ajudassem a jogá-las para o outro lado.  

—Ficou maluco? Este não é o plano! Devemos levá-las até Áthlion! 

—O plano é impedirmos que as gêmeas se encontrem com Fira ou Reyk! Suas famílias já estão presas, jogá-las em um mundo distante não parece uma má ideia! — outro dominador parecia gostar da ideia de enviar as Valíss para o mais longe possível. Todos os dominadores começaram a discutir, nervosos e irritados uns com os outros. Kyerian sentia a fúria invadir sua mente, mas a pressão do planeta em que estavam começava a sufocar tanto ela como sua irmã. Sem o controle da energia, elas eram incapazes de se manter em um planeta com aquelas condições.  

Impaciente, o dominador que abrira o portal resolveu intervir na discussão.  — Decidam-se de uma vez ou logo não precisaremos mais nos preocupar com elas! Não quero sujar minhas mãos com a morte de duas Valíss de Katárkona! 

—Está bem, está bem! Joguem-nas no portal! — o dominador que aparentemente tinha o papel de líder apenas sinalizou com as mãos. Ele também não queria ser responsável pela morte das garotas e se sentia tão incomodado em estar na presença de outros dominadores quanto seus outros colegas.  

—Kyerian, ninguém pode nos separar! Vamos estar juntas em qualquer situação! — Kerina se aproximou ainda mais e usando o resquício de força que ainda tinham, as irmãs se abraçaram o mais forte que conseguiram, obrigando os dominadores a jogá-las juntas no portal, que rapidamente se fechou assim que atravessaram. 

O baque surdo de seus corpos se chocando contra a grama congelada fez com que elas respirassem fundo. A nova atmosfera era um pouco mais densa que a de Katárkona, mas o ar era puro e respirável. 

As garotas ouviram então uma risada muito aguda surgir por entre as arvores, sendo acompanhada de uma música suave e alegre. Repentinamente uma dor lancinante fez com que ambas se encolhessem no chão, cerrando o maxilar na tentativa de conter a sensação de que todos os músculos e ossos de seus corpos estavam sendo torcidos e comprimidos.   

 No final, sem saber quanto tempo se passara, o cheiro de vegetação e o som de aves fizeram com que ambas abrissem os olhos. Ainda de mãos dadas, elas engoliram em seco e se encararam. 

Boquiabertas, ambas analisaram a nova aparência em seus rostos. Suas orelhas já não se encontravam mais em meio aos longos e volumosos cabelos negros. Sua pele morena continha uniformemente a mesma cor e seus grossos lábios escondiam dentes brancos e sem presas. De sua antiga aparência, apenas a cor de seus olhos permanecera igual. 

As gêmeas não sabiam o que dizer uma para a outra, não sabiam como poderiam se consolar ou fazer com que se sentissem melhor, então apenas se abraçaram, na tentativa de conter as lágrimas que inundavam seus olhos. 

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Polinari B.A.

Bióloga e escritora. Apaixonada pela natureza, histórias de fantasia, animes e jogos.

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